( Compartilho na certeza de que a cultura tombense é extraordinária e em homenagem aos jovens que resgatam a história. Em especial para a Isabella Vargas e toda a sua família.)
DESFILE NO MORRO DO QUEROSENE
O surgimento da Escola de Samba Balança Roseira foi um marco divisório no carnaval de Tombos. Pode-se dizer que a comunidade rachou num radicalismo bravo de nós ou eles. Que nem o clima tenso dessas eleições.
Mal imaginava o Zé Lage ser um instigador da luta de classes no reino do Rei Momo e em Tombos, a terra do carnaval, que conforme nos traduzia a beata Tote: - Car de carne. Aval de avacalhação. Carnaval= Avacalhação da carne. E o pau comeu. E a classe média da Não Venhas Assim, escola rival e ultra tradicional passou a ser a Escola dos Ricos.
Vale um parênteses para lembrar a todos que eu prefiro ser essa metamorfose ambulante e já desfilei na Azes do Ritmo, Cordão do Sempre Viva, Boi Pintadinho, Não Venhas Assim, na Banda da Madrugada e naquele justo ano defendia o verde e rosa do Balança com muito orgulho e devoção ao lado de uma turma de primeira assessorada pelo nosso inesquecível Dr. Antonio Luiz e foi dele o ardiloso plano.
Durante todo o ano que antecedeu o dito carnaval já a comunidade, envolvida com plumas, paetês, cetins, costureiras, enredos, alas e carnavalescos, fervia em fofocas malignas de línguas alcoviteiras correndo soltas na tentativa de desvendar o mistério das fantasias uma da outra. Segredos absolutos. Tinha gente que virava a cara, trocava de calçada para nem ver o militante inimigo. As vezes um primo, um amigo da família, um irmão, todos divididos pela simpatia e aversão a uma outra agremiação carnavalesca.
Não resta a menor dúvida de que os recursos eram mesmo escassos e a competição estava acirrada. Qual seria a escola campeã daquele carnaval? A Prefeitura trouxe juízes neutros para comporem o corpo dos jurados que ficavam no palanque oficial como responsáveis pelas notas que definiriam as premiações. E os recursos eram mesmo muitos escassos. O pior é que corria pelas esquinas que a Não Venhas Assim viria riquíssima com passistas do Rio De janeiro.
Estávamos confabulando no bar do Dominguinhos sobre a nossa inevitável derrota quando o Dr. Antonio Luiz chegou com os bolsos cheios de bombinhas, uns três rolos de barbante, cola e um monte de bandeirolas dessas das festas juninas. Dividiu a carga conosco e convocou: - Venham comigo!
Dali, num grupo de 8 ou 10, fomos direto para o Morro do Querosene onde a primeira tarefa foi a de arranjar escadas emprestadas com os moradores que começaram a nos seguir curiosos. E começamos a colar as bandeirolas nos barbantes enquanto o Dr. Antonio orientava de um poste a outro onde deveriam ser dependuradas. Foi aí que apareceu na janela a dona Rufina, afro descendente gorda e catadeira de café.
- Pra que isso, genteee!
Nesse momento o Dr. subiu num banquinho de madeira e emocionado dirigiu-se a pequena multidão. Disse ele, como se na beira de um túmulo:
- Estamos decorando a rua porque a nossa Escola vai desfilar aqui. A diretoria recebeu hoje um comunicado da prefeitura proibindo o Balança de desfilar na avenida por ser uma Escola de pretos e de pobres!
Revolta geral. Urros. Berros. Até eu, sabendo que aquela era uma incrível mentira do Dr. Antonio. não contive as lágrimas. Dona Rufina praticamente pulou a janela com a elegância de um hipopótamo e bradou engrossando as veias do pescoço.
- Se nóis num desfila lá, ninguém desfila!
- Se for todo mundo a gente faz medo neles e é capaz deles deixarem. ( disse o Dr.)
- Isso mermo! Vamo todo mundo!
- Mas atenção, interferiu definitivo o ilustre advogado:
- Não joguem pedras.
Só sei que o Balança desfilou primeiro e quando saiu da avenida o povo foi atrás deixando as arquibancadas praticamente vazias para o excelente desfile da Não venhas. Enquanto lá no palanque os acuados jurados se esquivavam dos apupos da plebe irada:
- Balança! Balança! Quem vota nos rico vai entrar no pau.
Findo o desfile lá foram eles rodeados por policiais e autoridades para o prédio da Prefeitura de onde saiu, quase cinco horas depois um rigoroso empate. E todos comemoram a vitória.
O Balança tava mais simples e pobre mas enlouqueceu o povo. Ainda mais que a fabulosa destaque Sissi, do sêo Luiz, abriu o desfile da escola completamente nua sambando sobre os paralelepípedos.
Você se lembra amor? Nossos corpos suados debruçados sobre a ponte e um cheiro de lança no ar. No outro ano eu passei para a Não Venhas junto com o grande carnavalesco Dr. Edgar assessorado pelo Zé Biscoito e nasceu a K-Samba.
Você se lembra amor, eu até perdi o lenço! Foi há tanto tempo mas parece que foi ontem e era carnaval.
Edmar Souza Moreira
No sábado de Carnaval em Tombos até a tristeza vai pular de alegria. Tem Jogo do Tombense X Cruzeiro, tem Bloco do Rã logo em seguida e ainda a programação na Avenida.
Nota.
Publicamos, transcrevendo esse belíssimo texto do Tombense Edmar Souza Moreira, como também através dela prestamos uma homenagem a esse ilustre Tombense.
Obrigado Edmar. Em nome de todos que viajaram nesse conto.
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