terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Opinião do Engenheiro Ambiental. Luís Gustavo Abdo Gante serve para uma grande reflexão desse e de outros momentos.


Nos últimos dias, nossa região da zona da mata mineira sofreu com uma das maiores enchentes das últimas décadas. O excesso de chuvas foi causado pela combinação entre dois fenômenos meteorológico, sendo um deles a temperatura a cima da média no oceano atlântico, situação cada vez mais comum por conta do aquecimento global.

Minha cidade, Carangola, é margeada em toda sua extensão pelo Rio Carangola, um subafluente da Bacia do Rio Paraíba do Sul. Quando chove muito nos municípios a montante, Divino e Orizânia, a população carangolense já pode esperar o aumento do nível do rio em Carangola em um período aproximado de oito horas. Choveu muito e esta água chegou.

Para complicar ainda mais, duas grandes barragens de acumulação de água se romperam à montante, dos quais não tenho dados oficiais do volume liberado(*). O resultado foi uma das maiores tragédias da história de Carangola. A parte mais baixa da cidade ficou completamente destruída, e muitos comerciantes perderam tudo por não conseguirem retirar seus pertencentes a tempo.

Mas por que estou falando isso?

Por hoje, como Eng. Ambiental, consigo cada vez mais ter uma visão sistêmica dos fatores que acarretam e/ou agravam problemas como as enchentes.

Está intimamente relacionado com a questão da preservação ambiental.

As enchentes ocorrem ou são agravadas por uma série de fatores relacionadas a um manejo ambiental inadequado.

Quando chove muito, chega um ponto que o solo deixa de conseguir infiltrar água, iniciando assim o escoamento superficial. A região da zona da mata mineira foi praticamente toda desmatada, sobrando apenas pequenos fragmentos de mata atlântica nos topos de morros. Quando se tira uma mata nativa e coloca em seu lugar capim, ao chover, ao invés de a água infiltrar, ela passa a escoar. Ela ganha muita velocidade e carrega consigo muito sedimento de solo exposto. Solo exposto? É, aquele solo sem os devidos cuidados da agricultura ou em processo de erosão.

Esta água em grande velocidade e cheia de sedimentos escoa sempre para o ponto mais baixo, encontrando assim, um curso hídrico. Esse curso hídrico está recebendo contribuições de diversas sub-bacias de drenagem. Esse curso hídrico vai se assoreando e perdendo volume útil. Vários destes cursos hídrico, e também seus córregos a montante e jusante, foram retificados há alguns anos, visto que os meandros geravam prejuízos para os donos da terra. Afinal, os meandros eram um incomodo ao dono da terra, pois lhe fazia perder área útil para a criação de gado, e deixava seu solo mais encharcado.

Quando se retifica um curso d’água, temos como resultado o que chamamos de picos de vazão. A água passa a escoar muito mais rápido. Essa água chega, então, muito mais rápido à jusante; À jusante existe uma cidade. À jusante existe uma cidade praticamente totalmente construída às margens dos cursos d’água. Em praticamente toda a Área de Preservação Permanente (APP) deste curso d’água existem benfeitorias construídas sem qualquer planejamento para tragédias como enchentes. Enchentes que cada vez acontecem com pico de vazão.

As enchentes carregam todo aquele sedimento (do solo exposto) para a casa das pessoas afetadas. É muita lama. As enchentes levam também muito lixo e entulhos. Aquele papelzinho que quase todo mundo uma vez na vida já jogou num bueiro ou pela janela do carro, achando que estava “jogando fora”, acaba voltando pra nossa casa na enchente. É a lei do retorno da natureza.

Um outro grande problema é o manejo das águas pluviais urbanas. Com a urbanização e o processo de implantação de loteamentos, impermeabiliza-se o solo, diminui infiltração, escoa mais água. Não foi o problema em específico dos últimos dias, mas tal situação vai passar a ser cada vez mais comum em nossa cidade. A cidade não tem planejamento qualquer para suportar chuvas de grande intensidade. Praticamente não existe sistema de drenagem de águas pluviais. Quando existe, pode ser que a boca de lobo esteja obstruída com terra, como no meu bairro, por falta de manutenção preventiva (já vai fazer aniversário de um ano). Ah, já ia me esquecendo de comentar que com o aquecimento global, cada vez mais teremos chuvas de maior intensidade (mais água em menos tempo), sobrecarregando o sistema de drenagem precário já existente.

É curioso também ver as mesmas pessoas que, há alguns meses atrás compartilharam vídeo de um pesquisador da EMBRAPA visto como referência para aqueles que desejam afrouxar as legislações ambientais, que criticava o excesso de unidades de conversação no Brasil, agora indignados com o resultado avassalador da enchente. Este indivíduo falava que temos no Brasil excesso de áreas conservadas.

Em seus dados e mapas, considerava-se também as Áreas de Preservações Ambientais (APAs) como áreas que geram o “atraso econômico do Brasil”. Em seu mapa lá estavam as APAs a montante da sede da cidade de Carangola. Aqui consigo me lembrar de duas em Divino e uma de Carangola. Será mesmo que estas áreas funcionam como “unidades de conservação”? Será que existe algum trabalho de preservação ambiental nestas áreas? Se a resposta fosse positiva, garanto que a enchente teria sido bem menor. São áreas com o solo utiilizaas da mesma maneira que no restante dos municípios. Desmatamento, lavoura de café, desmatamento. Não existe política pública de preservação ambiental nestas APAs, o que incluiria o reflorestamento em zona de recarga de aquífero ou topos de morros.

Na realidade, o que mais se escuta na mídia agora é em aumento do desmatamento no país, ao invés de reflorestamento.

O momento é de solidariedade com os que perderam tudo nesta tragédia. O cenário nas ruas é desolador. Muita lama, entulho, galhos, lixo. Literalmente aos montes. Aí eu me pergunto qual será a destinação final de todo esse resíduo/rejeito. Provavelmente em algum terreno baldio não licenciado. Na próxima chuva forte, já sabemos pra onde esses entulhos vão voltar.

De todas formas, em um segundo momento, DEVEMOS que pensar em evitar que situações como esta se repitam. Isto se chama planejamento estratégico.

Ficam aqui alguns pontos que martelam na minha mente:

- Fortalecer as políticas ambientais e fiscalização. Assim, evitaremos intervenções não licenciadas como retificação de córregos, canalização cursos d’água, desmatamentos, ocupação irregular em margens de rios, etc;

- Cobrar ao poder público municipal a elaboração de plano de manejo das áreas de conservação municipais (APAs), visando o melhor manejo destas áreas, o que aumentarem as suas áreas verdes, diminuindo assim o escoamento superficial das águas e o carreamento de sedimentos para a calha dos córregos, o que provoca o assoreamento e perda de volume útil .

- Execução do Plano Municipal de Saneamento Básico, com atenção especial para a parte de drenagem de água pluviais e manejo de resíduos sólidos (aterros de resíduos volumosos e de construção civil);

- Elaboração de Plano Diretor, com a definição das políticas de uso de ocupação do solo;

- Entender de uma vez por todas que aquecimento global não é alarmismo climático, e que todos seremos afetados (e cada vez mais), caso não mudarmos nossos hábitos de consumo;

- Regularização ambiental de toda e qualquer tipo de barragem. No caso das barragens de grande porte, os proprietários devem possuir planos de emergência, caso ocorram o rompimento das mesmas, além de manutenção preventiva na parte estrutural.

Bora recomeçar de verdade?


Luís Gustavo Abdo Gante
Engenheiro Ambiental.


(*) Informamos a esse nossa opinião sobre o não rompimento de barragens. Argumento usado pelas autoridades que o informaram que nada se prepararam, se preocuparam e nada fizeram. Queriam com isso dizer que sabiam do que estava acontecendo. Já que nada fizeram. Causando danos e prejuízos incalculáveis à população.

*editado

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