sexta-feira, 30 de outubro de 2020

OLHOS AZUIS



 

OLHOS AZUIS

    Saio do trabalho, ou seja, de casa, do meu Home Office, pois tenho uma cirurgia agendada. Vou trocar a cor de meus olhos, através de uma aplicação de manipulação genética, uma simples injeção que vai me dar a chance de ter olhos azuis. Sempre quis ter olhos nórdicos, azuis celestes mas escolhi, junto ao meu dermatologista na minha última tele consulta, um azul um pouco mais marinho, não sei explicar bem, não era um azul cintilante, um pouco mais opaco, digamos, enigmático. Gostei do portfólio que ele me enviou via Whatsapp, juro que até um verde me balançou, mas, afinal, fiquei com o azul que é a cor do mar.    
    Dei a ordem ao meu aplicativo da casa para descongelar o almoço, e ao meu robô auxiliar de tarefas, ordenei-lhe também que a comida esteja pronta às 1200h, à princípio, depois na volta para casa eu vou atualizando o horário. Meu celular acaba de apitar, avisando-me do compromisso. Mera formalidade, ele sempre me avisa de coisas que já estou cansado de saber, mas isso me torna mais seguro. Antes de sair já encomendei para noite a pizza do IFOOD, marquei para às 1900h a entrega. Pedi ao meu robô doméstico que também providencie a limpeza geral na casa, incluindo os banheiros, prioridade A. Eu o chamo, carinhosamente, de Herbert, um antigo personagem mordomo de um livro da época em que ainda fabricavam livros de papel.
   

    Entro no carro, informo meu destino e solicito que coloque na tela 3D as notícias mais recentes da CNN enquanto vou ao encontro do doutor, dos meus lindos olhos azuis, sonho de uma vida.
     No caminho uma mensagem urgente e dou o comando ao carro: “Pode jogar na tela”. Era o doutor, aliás, sua secretária eletrônica querendo mostrar-me um novo modelo ocular: Olhos azuis-violeta. Aparece na tela a modelo, lindíssima, com aqueles olhos... Peço para ver os que escolhi, os dois, lado a lado, fiquei na dúvida, e agora???
      Solicito luxuosa ajuda ao carro, ele através da telemetria e de meus gostos pessoais armazenados em seu HD ao longo das tantas idas e vindas em sua companhia, emite uma opinião, avisando-me que ainda tenho 22 minutos para resolver, que é o tempo estimado até chegarmos à clínica.
      Azuis marinhos, opacos e enigmáticos ou reluzentes azuis-violáceos?
    Peço um tempo à atendente digital e vou matutando durante o percurso. Dúvidas, algo ainda tão humano...
      O texto acima não é uma utopia. É, pura e simplesmente, uma questão de tempo. A internet das coisas é a próxima revolução, já existe a tecnologia, a rede 5G potente o bastante para resolver a logística necessária no campo da informática. Thomas Piketty em seu livro: A RIQUEZA DAS NAÇÕES, prevê o aumento da desigualdade entre os povos, entre os que tem acesso à tecnologia e os desconectados. Todos seus modelos estatísticos apontam em uma só direção: A desigualdade social tende a aumentar. De um lado, pessoas que usam as máquinas para trabalhar a seu favor, do outro, as que trabalham feito máquinas.
     Em tempos de Pandemia e restrições, alunos da rede pública rasgaram o véu das diferenças entre seus colegas com acesso à tecnologia. Uns tem aulas e banco de questões virtuais a seu dispor, além de casa, comida e apoio familiar. Outros passam fome por falta de merenda, são obrigados a sair para trabalhar a fim de complementar o orçamento, não tem acesso à internet e, se tiverem um pouco de sorte, estarão livres de assédios sexuais e problemas com o alcoolismo em seu lar. Lar?
    Todos viveremos, em um futuro próximo, um contato diário com as máquinas, em todas as tarefas, mesmo as mais corriqueiras, usufruindo de suas benesses, ou então seremos alijados da sociedade robótica. De que lado você quer estar? O seu filho?
    Escolhas do presente impactarão o futuro, e o futuro passa pela educação. Esta é outra verdade inexorável e que exige de nós investimento financeiro e temporal. É um processo, um processo para que estejamos do lado bom das estatísticas, com os nossos queridos robôs nos servindo e não nós servindo a eles.
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