Em entrevista, Alvaro Mendes detalha o aprofundamento na história para construir narrativas fidedignas sobre relações no livro "Quatro Marias"
Para escrever Quatro Marias, Alvaro Mendes fez uma pesquisa minuciosa sobre diferentes momentos históricos do país, que atravessa o período colonial, a Inconfidência Mineira e o modernismo da década de 1920 até chegar à contemporaneidade. Esse compromisso com os fatos ocorreu para elaborar quatro contos protagonizados por diferentes mulheres que, independentemente da época vivida, desafiam os abusos nas relações conjugais.
“A traição é uma das mais violentas opressões a que foram - e ainda são - submetidas as mulheres. A semente dessa traição permitida ao homem começa a ser plantada, muitas vezes, em casa: aos meninos toda a liberdade sexual, às meninas quase nenhuma. Sem dúvida que isso une as mulheres em um sentimento comum, extremamente íntimo, independente de época, etnia, classe social ou geografia”, explica o autor.
Em entrevista, ele comenta sobre o processo de pesquisa e a importância de um olhar fiel ao passado por meio da literatura:
1. “Quatro Marias” apresenta uma minuciosa reconstituição histórica. Como foi e quanto tempo levou o seu processo de pesquisa para garantir a fidelidade dos acontecimentos desde o século 16 até o 21?
Alvaro Mendes: Eu levei cerca de um ano para escrever e concluir o livro “Quatro Marias”. Foi uma tarefa árdua porque procurei as fontes da época: o dramaturgo Gil Vicente, os autos da devassa referentes à Inconfidência Mineira, o estilo e o pensamento de José do Patrocínio e Bertha Lutz, por exemplo. Tudo isso com o propósito de construir um retrato verossímil de personagens, fatos e locais.
2. O uso de diferentes formatos narrativos, como cartas, diários e mensagens de WhatsApp, trazem um diferencial à obra. Qual foi o impacto desejado ao escolher essas formas para contar as histórias?
A.M.: Essa é uma abordagem que eu acredito que dê um interesse adicional à obra. Desde o Iluminismo Liberal, a verdade absoluta, extraída de uma única voz terrena ou transcendente, que vem sendo contestada. Concorrente a isso, vive-se hoje uma infinidade de informações múltiplas advindas das redes sociais. Eu decidi, então, apresentar cada um dos quatro contos de uma forma: a Maria do século XVI recebe uma narrativa tradicional e única em terceira pessoa; a do fim do século XVIII possui duas narrativas, uma delas confessional; a terceira do século XX é relatada por cartas e diários de terceiros; e a última em formato de WhatsApp.
3. Por que a temática da traição conjugal foi escolhida como o fio condutor dos contos? O que motivou a decisão de explorar esse tema em diferentes épocas?
A.M.: A traição conjugal é uma das mais violentas opressões a que foram - e ainda são - submetidas as mulheres. A semente dessa traição permitida ao homem começa a ser plantada, muitas vezes, em casa: aos meninos toda a liberdade sexual, às meninas quase nenhuma. Sem dúvida que isso une as mulheres em um sentimento comum, extremamente íntimo, independente de época, etnia, classe social ou geografia.
4. Na sua visão, como a ambientação em diferentes contextos históricos – desde as primeiras expedições ao Brasil até o mundo contemporâneo das redes sociais – contribui para a compreensão da traição na atualidade? Quais semelhanças e diferenças você identifica entre as épocas?
A.M.: Creio que a grande contribuição é o entendimento de que a traição conjugal tratada no livro diz respeito, fundamentalmente, a posições de poder, mais do que às diferenças biológicas que existem entre os gêneros. A luta feminina pela própria autonomia é a busca pelo direito de não ter a sua voz, a sua alma e o seu corpo sufocados.
5. Os contos de “Quatro Marias” apresentam críticas sociais ao machismo, por exemplo, além de abordar a desigualdade econômica, a hipocrisia e a moralidade social. Quais outros aspectos da sociedade atual e do passado você buscou destacar e questionar através das narrativas?
A.M.: Um dos problemas que eu vejo atualmente é a tentativa de querer enxergar o passado com os óculos de hoje. Creio que por isso eu tenha buscado, em tantas pesquisas, um retrato condizente com as pessoas, os hábitos, as moralidades e as hipocrisias de cada época. Ao leitor, deixo a conclusão das semelhanças possíveis e diferenças inevitáveis.
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Sobre o autor: Alvaro Mendes é professor aposentado e escritor. Autor do romance “O Mistério dos Hagis”, em e-book pela Amazon, e da dramaturgia “Segundos Fora”, sua publicação mais recente é o livro de contos Quatro Marias. Durante a carreira literária, foi premiado diversas vezes, como no Beverly Hills Screenplay Contest (2016), pelo roteiro “Families”; no concurso promovido pela Travassos Editora (2019), com o conto “Carnem Levare”; no concurso do Ministério dos Direitos Humanos (2018), com a crônica “Habitat”; no 1º Concurso Nacional de Contos – Antologia Aglac (2021), pelo conto “A morte do senador não foi acidental”; e no Prêmio Off Flip (2024), pela crônica “Por Aí”.
Redes sociais do autor:
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“Quatro Marias” está disponível na Amazon
Para saber mais sobre o livro “Quatro Marias”, clique aqui.
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