Infertilidade, economia e formação de famílias: uma equação que precisamos resolver
Por: Márcia Mendonça Carneiro
Nos últimos 70 anos, as taxas de fertilidade têm caído globalmente, enquanto a infertilidade está em alta e já afeta uma em cada seis pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mudanças culturais e sociais, como a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho e o aumento na busca por educação, somadas à redução da mortalidade infantil e aos altos custos para criar filhos, são alguns dos fatores que ajudam a explicar esse fenômeno, presente até mesmo em países historicamente conhecidos por suas elevadas taxas de natalidade, como a Índia.
A situação geopolítica e econômica atuais associadas ao aquecimento global, guerras e instabilidade política em muitas áreas aumentam a incerteza e podem complicar ainda mais a situação, contribuindo para o adiamento da gravidez e formação de famílias. O impacto econômico e social das baixas taxas de fertilidade é reconhecido pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Fórum Económico Mundial, uma vez que o funcionamento dos sistemas de aposentadorias e cuidados de saúde depende de um número mínimo de pessoas jovens trabalhando. O envelhecimento combinado com a queda acentuada das taxas de natalidade poderá criar um desastre demográfico com efeitos econômicos desastrosos que afeta a vida de todos nós.
No Brasil, de acordo com dados divulgados pelo IBGE, a taxa de em 2023 foi de 1,57 filho por mulher e deve recuar para 1,47 em 2030, atingindo seu ponto mais baixo em 2041. Este declínio está diretamente relacionado às intensas mudanças sociais, culturais e econômicas dos últimos anos, que têm levado muitas mulheres a adiarem a maternidade para se concentrarem nos estudos e na carreira. Como resultado dessa mudança, houve um aumento de 56% nos partos de mulheres entre 35 e 39 anos, e de 36% entre aquelas com idades de 40 a 44 anos. As mulheres, entretanto, parecem ignorar um fator biológico: há um número não renovável de óvulos em seus ovários, que se reduz rapidamente a partir dos 35 anos e, infelizmente, não existe métodos conhecidos para manter nem renovar a chamada “reserva ovariana”. Muitas mulheres pensam que podem adiar a gravidez confiando nos avanços da ciência para ajudá-las a alcançar a maternidade, o que pode não ser verdade. Infelizmente, o declínio da fertilidade já começa naturalmente por volta dos 25-30 anos de idade, e segue acelerado após os 35 anos, de forma que as chances de infertilidade podem chegar a 50% aos 41 anos e 90% aos 45 anos. Mesmo quando são utilizadas as modernas técnicas de reprodução assistida (TRA), a idade feminina é o principal fator limitante de sucesso.
Diante deste cenário catastrófico global, a Federação Internacional de Sociedades de Infertilidade (IFFS), entidade que congrega sociedades de todo o planeta lançou a campanha “#MaisAlegria (#MoreJoy) que visa conscientizar a população, empresas e governos sobre as várias facetas da infertilidade. A capacidade de engravidar e ter um filho, bem como o direito de ter acesso a informações sobre a saúde reprodutiva é um direito humano fundamental estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entretanto, a maioria das pessoas que necessitam de ajuda médica através do uso de técnicas de reprodução assistida (TRA) para construir suas famílias não conseguem custear nem ter acesso a estes tratamentos.
A campanha convoca empresas e governos para desenvolverem políticas que incluam a formação de famílias e permitam que seus colaboradores tenham benefícios incluindo cobertura de tratamentos e tempo disponível para realizá-los. Antenadas a tendência feminina de investir na carreira e adiar a maternidade, várias grandes empresas como Facebook, Apple e Walmart já incorporaram as TRA como benefício para seus colaboradores. Em nossos país, o exemplo já foi seguido por algumas empresas como o Google, Mercado Livre e Microsoft. O acesso universal às TRA assim como educação e prevenção de infertilidade permanecem um grande desafio a ser superado em todo o mundo. Não podemos esquecer que o uso das técnicas de reprodução assistida abriu oportunidades de maternidade e paternidade para casais homoafetivos, bem como para solteiros através do uso da doação de sêmen e óvulos, sendo importante ferramenta de inclusão.
É preciso ressaltar ainda que conciliar a maternidade com a carreira é uma tarefa complexa e os níveis de burnout nessas mulheres têm aumentado. Infelizmente, pesquisas recentes revelam que a maternidade é ponto importante de desigualdade salarial e avanços na carreira, o que tem levado muitas mulheres jovens a desistir de engravidar. Além disso, mães que retornam ao trabalho frequentemente não têm acesso a benefícios como creches ou licenças parentais, dificultando ainda mais esse equilíbrio.
Para enfrentar estes desafios, o mercado de trabalho, as empresas, governos e a sociedade devem fazer um esforço para implementar políticas de auxílio e apoio de forma que as novas gerações não tenham que escolher entre ter uma carreira ou uma família. Não se deve esquecer que decidir se e quando constituir família é um direito humano básico. A prosperidade, a alegria e o crescimento econômico serão a recompensa para aqueles que se atreverem a juntar-se à luta pelo acesso universal aos cuidados de saúde reprodutiva e construção de famílias. #MaisAlegria!
*Diretora científica Clínica Origen, embaixadora da Campanha IFFS #MaisAlegria, professora titular- Departamento de Ginecologia e Obstetrícia – Faculdade de Medicina da UFMG
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