terça-feira, 1 de julho de 2025
Diálogos entre ciência e espiritualidade
*Ivan Amaral Guerrini
Nos bancos de escolas e universidades deste século XXI, ainda permanece de forma disfarçada a necessidade da divisão proposta por Descartes há mais de 300 anos de que o que é matéria é assunto da ciência e o que não é matéria é tema da religião. Essa máxima continua movendo cientistas, professores e profissionais em sua grande maioria.
Não há dúvidas sobre o valor da ciência clássica, que define os parâmetros da construção de um prédio, os medicamentos que trazem comprovação estatística em laboratório, que atesta a terra como redonda etc. Porém, isso não invalida os conhecimentos que vão além dos cinco sentidos. Dizer, a partir da ótica clássica, que só existe o que pode ser mensurado é uma afirmação limitada e parcial.
Eu sempre gostei da interface da matéria com a não matéria e tratei disso em vários momentos da minha vida acadêmica. Claro que paguei preço alto por isso, o que relato nos livros que escrevi a partir de 2006. Aos poucos, eu fui percebendo que a divisão conveniente de Descartes no século XVII não precisa perdurar, a não ser por uma conveniência de agradar os pares e os órgãos de fomento.
O cientista clássico pode ser cético ou ateu, é seu direito. Mas não é seu direito impor essa visão limitada aos seus colegas, alunos ou sociedade. Seria muito mais honesto dizer que essa é a “sua visão”, uma das possibilidades dentre outras.
Eu já estive em vários caminhos da espiritualidade, dentro de igrejas e em outros grupos. Também já passei por grandes crises na vida que transformaram meu jeito de ser, pensar e viver. Hoje eu vejo esses caminhos convencionais como possibilidades enrijecidas de buscar o sagrado. Quanto mais fechado, segregado ou fundamentalista esse caminho, mais longe de alcançar a meta de realização do ser humano.
Se há outros conjuntos de conhecimento além dos acadêmicos que servem ao crescimento e evolução do ser humano, por que fechar as portas para eles? Só por que, na ótica mecanicista, eles não podem existir? E se esse cientista clássico descobrir que pode trocar de óculos?
Experimentalmente se verifica que é em situações de crise intensa que há boas possibilidades de o cientista clássico alargar a sua visão de uma forma não convencional, que não cabe nos grupamentos tradicionais das igrejas e nos caminhos da espiritualidade.
A ciência clássica é ótima e necessária, mas há vida fora dela.
*Ivan Amaral Guerrini é físico, escritor e professor titular aposentado da Universidade Estadual Paulista, do Campus de Botucatu. É autor do livro "Um físico no mundo da astrologia"